terça-feira, 9 de abril de 2013

A águia e a galinha


Certa  vez,  um camponês andando pela floresta, encontra caído  ao  chão um ninho de águia, com um filhote bastante machucado, que havia caído junto com o ninho do galho mais alto, de uma das árvores mais alta do local.

Com  pena da ave, levou-a para sua casa e tratou-a dia a dia. Aos poucos  foi  se recuperando, e o nosso camponês, sem ter onde deixá-la, acabou colocou-a no galinheiro, junto com as suas galinhas.

E,  assim,  a  aguiazinha  foi crescendo e aprendeu a se comportar exatamente como as galinhas. Os  anos  se  passaram.  Certo dia, o camponês recebeu a visita de um naturalista que, ao ver a águia no galinheiro, afirmou:

"Este  pássaro  não é uma galinha, é uma águia, a rainha das  aves,  aquela  que  voa mais alto e que mais perto chega do céu e do sol.  A maior de todas as aves".

O camponês confirmou o que ouviu, mas retrucou: "Não. Ela  já  foi  uma águia. Ela foi águia quando nasceu, mas hoje é uma galinha. Veja, ela se comporta exatamente igual às galinhas".

O  naturalista não se conformou e pediu ao camponês para deixá-lo  libertar  a  águia. 

O  camponês  não  tinha  nada a opor, mas advertiu: "Não  adianta.  Você verá que ela não é mais uma águia, pois  eu  não  sei há quanto tempo ela já está aqui e durante todos esses anos ela sempre se comportou como uma galinha".

O naturalista pegou a águia e dise: "Você  sempre  foi,  é  e sempre será uma águia.  Você nasceu  para  voar  muito alto, para ser a maior de todas as aves, a mai poderosa.

Você  não  é uma simples galinha.  Vamos, voe em direção ao céu e ao sol, pois é o seu destino".

A águia olhou para baixo, viu as galinhas e pulou para o chão, ficando entre elas.   O camponês comentou : "Não  lhe disse?  Ela perdeu o espírito de águia e agora é uma simples galinha".

O naturalista não se conformou e retrucou: "Não. A  natureza  dela  não  é  essa.  Amanhã vamos levá-la para o alto da montanha mais alta, lá ela verá o sol e voará como uma águia que é".

 E  assim fizeram.  No dia seguinte levaram a águia até o alto da montanha mais alta e o naturalista repetiu :

 "Vamos! Você é uma águia, uma das mais belas criações de Deus.   Você foi feita para vencer, não pode continuar agindo como uma simples  galinha. Voe. Observe o céu e o sol, eles são os seus objetivos, e não a terra, o chão de um galinheiro".

 A princípio a águia, de forma muito medrosa, procurou as galinhas,  mas  como  não  as  encontrou por perto, passou nervosamente a bater as suas enormes asas, com quase 3 metros de envergadura; aos poucos foi  criando coragem e depois de algumas tentativas frustradas e de muito medo  conseguiu alçar pequenos vôos. 

Mais um pouco e ela se sentiu com a coragem necessária para voar em direção ao sol e ao céu; e lá foi ela, galhardamente,  realizar  o  seu  projeto de vida, para o qual havia sido criada.

Nós, seres humanos, também viemos ao mundo para realizar todos os nossos projetos e sonhos...

Ao  longo da vida entretanto, alguns perdem essa coragem e   desistem   de   buscar  a  sua  própria  realização,  desfigurando-se completamente.

Acomodam-se e  se  deixam  levar  pelos  obstáculos  e dificuldades  que  a  vida  apresenta.  Não conseguem reter o espírito de luta  que  faz  de alguns os grandes vencedores, mas que nasceu com todos nós.

A  águia  é uma ave de rapina e nisto ela é exatamente o oposto  do  que temos de ser ao longo da nossa vida e da nossa profissão, porque  não  nascemos  para  viver de "expedientes de rapina", mas sim da nossa  maravilhosa  capacidade  de  construir sempre um mundo melhor para todos,  sejam  eles  nossos  familiares,  clientes  ou  empresas, pois ao produzir, seja o que for, estamos melhorando a vida de todas as pessoas. 

Mas,  assim  como a águia, viemos ao mundo para realizar grandes  e  bonitos "vôos ao longo da vida", transformar os nossos sonhos em realidade e . . .  vencer. 

 Às  vezes,  a  vida  nos  apresenta  situações  em que é difícil ser águia e sairmos "voando" em direção ao céu dos nosso sonhos e ao  sol  das nossas realizações, mas temos de ACREDITAR SEMPRE que isto é uma situação passageira e que logo voltaremos a ter o espírito de vitória com  que nascemos, lutando para buscar sempre a plena realização de todos os nossos sonhos.

Assim  como  a  águia,  viemos  ao mundo com a missão de superar  todos os obstáculos que se apresentarem, pois temos de, todos os dias,  começar  sempre tudo de novo -- não adiantará absolutamente nada o sucesso  ou  o  fracasso...de  ontem -- e não importa o que já aconteceu, tenha  sito  ótimo ou péssimo, pois o que importa mesmo é ...  o que você fará acontecer hoje !!! 

Semelhante  à  águia,  busque  ser  a realização da obra maior  de Deus e lute sempre, pois é isso que diferencia os que vencem... dos que se lamentam..


Do livro A AGUIA E A GALINHA  de Leonardo Boff

Olhos vermelhos


Depois de rolar várias vezes na cama tentando inutilmente dormir, Lúcia se levantou e foi à cozinha vasculhar o armário procurando encontrar biscoitos doces. 

Sem sucesso em sua busca e sentindo seus olhos pesados, dirigiu-se ao banheiro e mirou-se no espelho na intenção de verificar como os mesmos estavam. 

Assim que a iluminação tomou conta do pequeno cômodo da casa que era composto por um vaso sanitário, um chuveiro exposto sem a proteção de um box e um pequeno jogo de pia e espelho, ela olhou para fora da janelinha que se abria deste banheiro para o telhado da casa vizinha. 

Lá estava ele: branco, raquítico, alerta, olhos vermelhos — um gato albino. 

O primeiro sentimento que a acometeu foi o de a mais profunda repulsa. 

A imagem daquele ser lhe era miserável, o resumo da inadaptação, do erro genético, do caminho oposto ao do comovente movimento harmonioso da Natureza

Lúcia se esforçou para conseguir continuar a encará-lo e ambos permaneceram imobilizados por algum tempo. 

Depois desse momento de paralisia, o passo, enfim, foi dado pelo mais forte daquele encontro: saltando para o outro lado do telhado, o gato desapareceu. 

Diante disso, ainda inebriada pela mescla da imagem bizarra do gato ao estado de insônia que sempre a deixava confusa, Lúcia voltou para seu quarto. 

Sentou-se na cama e passou supor, então: o gato albino deveria se esconder o dia todo para não ser agredido pela luminosidade do sol. 

Sairia somente à noite para se alimentar. Caminharia pela madrugada fuçando restos, sempre sozinho para que não tivesse que disputar o lixo com os outros animais fuçadores de lixo. 

Devido a sua compleição física, teria dificuldades em arranjar comida. Em uma disputa pelo alimento, a desvantagem sempre seria sua, já que não tinha forças para lutar. 

Difícil era receber a empatia de algum insone ou de um notívago disposto a lhe oferecer comida. Sempre expulso, carregaria pelas ruas escuras da cidade a sua imagem repugnante. 

Com sorte, após a batalha para adquirir pelo menos o mínimo que o permitiria estabelecer-se em pé, o herói da sobrevivência, voltaria para seu bueiro, com seu pequeno quinhão no estômago, sempre com suas costelas a se destacar, onde permaneceria até que a luz do dia não ferisse mais seus olhos. 

Depois de se deixar envolver por essas breves, porém, intensas conjecturas, Lúcia sentiu-se impregnada de algo que lentamente se aproximava de uma manifestação emocional, cuja palavra mais próxima no sentido de descrevê-la seria “empatia”. 

Esfregou seus olhos agressivamente, pois a falta de sono fazia com que os mesmos ficassem irritados. Sentiu-os como se os mesmos estivessem vermelhos e, com isso, uma comparação entre ela e o gato albino passou a configurar-se: também ela se considerava inapta diante da vida, também ela era a esquálida diante das pessoas que lhe cercavam. 

O cotidiano lhe era uma agressão: durante seu trabalho, concentrava-se apenas em realizar o que lhe era solicitado, buscando não se embrenhar em conversas que considerava tolas ou fazer parte da estrutura que exigia a competição selvagemente felina entre os seus. 

Acostumara-se a essa sua condição e convivia com uma enorme comiseração por si mesma, todos os dias. 

Com a sensação de ser um grande blefe da vida, voltava para casa (bueiro?) com o alívio de mais um dia ter chegado ao fim. 

Lúcia percebeu, porém, nesse momento que algo fundamental lhe diferenciava do gato albino. 

Este, em meio a sua luta para manter-se vivo, demonstrou uma solidez em seu ser não físico que pôde transmitir no olhar enviado a ela antes de saltar e ir embora. 

Olhar contrastante de um ser de pulsão forte em corpo frágil. Lúcia não tinha as estratégias de sobrevivência que pudessem torná-la também uma heroína em seu mundo, transformando sua inconsistência e seu desencanto em algo que a pudesse fortalecer diante da vida. 

Ainda hoje, Lúcia busca todas as noites encontrar o gato albino no telhado ao lado de seu banheiro, com a expectativa de quem aguarda uma aparição divina. 

Pensa que se isso acontecer, ela poderá levá-lo para sua cama e oferecer-lhe leite morno. Poderá abraçá-lo, acariciá-lo, encará-lo em seus olhos vermelhos e aprender com ele. 

Ela deseja intensamente que o gato albino volte, mas ele ainda não mais a visitou. Resta a Lúcia a fantasia de que, naquela noite em que se viram pela primeira e única vez, ela o acolheu para sempre como seu.



Ana Célia Ellero




E-MAIL: anaceliae@yahoo.com.br

Vingança


Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. 

A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. 

Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! 

Percebendo minha aparente indiferença,aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.

Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.

Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.

Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.

Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. 

Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.

Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo Filho da Puta!!!!

Carlos Drummond de Andrade