domingo, 5 de março de 2017

Minha vida se divide em três fases

Minha vida se divide em três fases.
Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo
E era habitado por deuses, verdadeiros e absolutos.

Na segunda fase meu mundo encolheu,
ficou mais modesto e passou a ser habitado
por heróis revolucionários que portavam armas
e cantavam canções de transformar o mundo.

Na terceira fase, mortos os deuses,
mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos,
meu mundo se encolheu ainda mais
e chegou não à sua verdade final
mas a sua beleza final:
ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida.

Rubem Alves

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Carta aberta aos integrantes do STF

General Torres de Melo

Estou escrevendo para o mundo, pois tenho certeza que não serei lido por Vossas Excelências. Sou apenas um cidadão e não uma autoridade, logo sem muito valor.

Fiquei atônito, pasmado quando vi na TV o Ex. Sr. Ministro Marco Aurélio perguntar ao jornalista se ele acreditava no STF e ele sem pestanejar respondeu: NÃO.
Durante toda a minha vida fui educado a acreditar no STF, que para mim era e é a última salvação do País, pois um STF desacreditado, é a morte da Nação.
Como sou muito idoso, só agora estou vendo Ministro do STF dando, quase que diariamente, entrevista. É a vulgarização do cargo. Ministro do STF tem como obrigação primeira manter a majestade do cargo.
Vi todas as crises. Nunca tinha visto se falar tanto em segredo de JUSTIÇA. Ladrão pequeno, bandido reles são mostrados nas TV, jornais e rádio e até procuram esconder a cara. Ladrão grande, de bilhões de reais, desculpem Ex. Sr. Ministros, de bilhões de dólares, são guardados com cuidado, pois roubaram a Nação. Segredo de Justiça para quem rouba o acervo do Palácio? Penso que é injustiça. Quem rouba o QUERIDO BRASIL deveria ser logo preso. Se funcionário público ainda mais cadeia.
Por que tanta demora em julgar os que são possuidores de fórum privilegiado? Alguns com vários processos ainda continuam dando palpite na vida nacional, quando a cadeia é pouca. Na China homem público roubou é processado e se culpado condenado a morte. Na Islândia acusado pede demissão. No Japão se suicida. Aqui, no velho Brasil de guerra, alguns voltam para casa, outros para casa com tornozeleira eletrônica e com direito a mil e uma apelações e os pobres desempregados por causa de ladrões de colarinho branco, cortando o leite dos filhos. Quando o Jornalista afirmou que não acreditava no STF o Ministro Marco Aurélio ficou parado. O rosto impassível. Parecia aquele rosto de uma senhora com a mão aberta no rosto, lábios ligeiramente abertos e com os olhos arregalados quando os alemães fizeram o quinto gol na copa do mundo. Eu, também, pois deixar de acreditar na justiça brasileira é o fim do mundo. O Ministro Teori Zavascki (Teori Albino Zavascki), preocupado com o cumprimento da lei, que é um mérito, não gostou que fosse dado conhecimento a determinados telefonemas gravados, pois a lei não permite. E roubar o País não é pior? Por que não julga os poderosos acusados no LAVA JATO? Não deveriam já se encontrar presos? Gostaria de saber se os senhores ministros fossem roubados como foi o Brasil, se os ladrões que avançarem nos pertences de V. Ex. teriam direito ao tão falado segredo de Justiça?
Ao terminar, gostaria que o meu STF fosse intocável e que a Justiça fosse para todos.
O ARTIGO 5º DA C F DIZ: TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI
GRUPO GUARARAPES – GEN TORRES DE MELO

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

As aposentadas

Almocei com oito senhoras, tias e amigas da mãe de minha esposa, em Belo Horizonte (MG).
A anfitriã Zelinha preparou uma galinhada no pátio, com mesas de madeira à sombra de jabuticabeiras. A horta simbolizava o nosso ventilador de temperos. Vinha o cheiro de hortelã e de alecrim com a brisa, coisa gostosa. Puxava o ar com força como se estivesse no meio de um bosque.
Eu era o único homem naquele clube de mulheres mais velhas, na faixa dos 75 anos. 
O que notei, a princípio, foi a raça superior feminina. A maioria, com duas exceções, experimentava a viuvez há um bom tempo.
Os homens morrem mais cedo, apesar de fazerem muito menos dentro e fora de casa do que as mulheres. Pelo histórico das famílias, já imaginei a minha Beatriz depois de minha morte, velhinha, linda de preto, magra e elegante e não sentindo em nada a minha falta. Doeu, mas não há como conter a vida.
As viúvas não mencionavam os seus falecidos. Parecia que estavam mais felizes agora do que quando casadas. Isso doeu também, porém logo entendi que não se pode ficar preso à memória.
Fui descontar os meus medos do futuro tentando puxar conversa. Afinal, precisava me sobressair naquele grupo, mostrar minha trajetória gloriosa e excitante.
Desfrutava da vantagem de uma carreira no auge. Quebrei as pernas e os braços lentamente. Não conseguia me encaixar em nenhum tema, elas falavam rápido demais. Trocavam de assunto com altivez, e não permitiam repescagem. Quando raciocinava algo inteligente, o papo já havia migrado para uma nova reflexão e perdia a deixa. Política, economia, roupas, dietas, eu sempre sobrava. E elas não apresentavam nenhuma compaixão comigo. Iam passando de mão em mão as panelas e as palavras.
Daí decidi me vingar e trazer à tona as minhas recentes leituras e os filmes vistos no cinema. Sou um cinéfilo e um rato de sebo. Para ver, por exemplo, faltavam apenas uns três títulos dos concorrentes das principais categorias do Oscar. Tampouco obtive silêncio e empatia. Elas tinham assistido a mais filmes do que eu e lido mais no último mês. As velhinhas foram se transformando em comentaristas e resenhistas velozes e furiosas. Calei a boca e entrei em depressão durante o restante das horas.
É impossível concorrer com a programação cultural das aposentadas. Aprenda isso!
Aprendi da mais constrangedora forma. Elas ainda me jogaram na cara visitas a exposições, vernissages, peças de teatro e concertos da Filarmônica. Quando comentaram as encenações no Royal Opera House em Londres e os musicais da Broadway em Nova York, o terror exagerou e passou do ponto. Arcava com a maior humilhação intelectual da minha bagagem. Suei frio e me escondi debaixo das jabuticabeiras. Por pouco, Beatriz não ficou viúva ali mesmo.

Por: Fabrício Carpinejar