sábado, 18 de maio de 2013

Jardim da Infância


No jardim de infância, fiz amizades que só são lembradas ao olhar fotos. 
Até hoje levo algumas dentro dessa máquina pulsante que chamam de coração. 

Não espero perder ou achar pessoas que estejam dispostas a me suportar, nem que seja por alguns segundos. 

Em uma das minhas leituras vi que nunca podemos correr atrás das borboletas, mas sim preparar o jardim para que elas venham até nós. 

Isso me fez pensar no quão as borboletas são contraídas, tímidas, medrosas e cheias de contrariedades. 

Elas não ficam muito tempo perto de uma flor, nunca permanecem em um mesmo jardim. Então, se as minhas borboletas decidem voar, eu deixo. 

Se voltarem e escolherem o meu jardim, darei conforto e deixarei que decidam o tempo que quiserem ficar, mas prepararei meu coração para vê-las partindo novamente. 

Por em quanto, fico aqui regando as minhas flores, para que elas estejam lindas sempre. 

Adoro pintá-las em uma tela com cheiro de arte, observando-as serem beijadas por novas borboletas, e sorrindo para as que vêm me visitar.

Alice Andrade

O contrário do Amor


O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. 

Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. 

Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.

O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? 

Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? 

O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.

Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. 

Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. 
Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. 

Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. 

O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor.

Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. 

Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. 

Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. 

Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.

Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. 

Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. 

Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto.

Martha Medeiros

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Estar só não significa solidão


Apesar de a grande maioria dizer que é possível ser feliz sem um par amoroso, muita gente acredita que só se encontra a realização afetiva através da relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa. 

A propaganda a favor é tão poderosa que a busca da “outra metade” se torna incessante e muitas vezes desesperada.

E quando surge um parceiro disposto a alimentar esse sonho, pronto: além de se inventar uma pessoa, atribuindo a ela características que geralmente não possui, se abdica facilmente de coisas importantes, imaginando que, agora, nada mais vai faltar.

E o mais grave: com o tempo passa a ser fundamental continuar tendo alguém ao lado, pagando-se qualquer preço, mesmo quando predominam as frustrações. 

Não ter um par significaria não estar inteiro, ser incompleto, ou seja, totalmente desamparado. Mas de onde vem essa ideia?

Na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. 

A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida. A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego.

No Ocidente aprendemos que, na vida adulta, somente através do convívio amoroso com outra pessoa nos sentiremos completos. 

Quem, além do ser amado, pode suprir nossas carências e nos tornar inteiros? 

Aí é que entra o amor romântico, que promete o encontro de almas e a fusão dos amantes, acenando com a possibilidade de transformar dois num só, da mesma forma que na fusão original com a mãe.

O único problema é que tudo não passa de uma ilusão. Na realidade, ninguém completa ninguém. 

Mas, ignorando isso, reeditamos inconscientemente com o parceiro nossas necessidades infantis.

O outro se torna tão indispensável para nossa sobrevivência emocional, que a possessividade e o cerceamento da liberdade sobrecarregam a relação. 

Por mais encantamento e exaltação que o amor romântico cause num primeiro momento, ele se torna opressivo por se opor à nossa individualidade.

Não é fácil deixar o hábito de formar um par. Fomos condicionados a desejá-lo, convencidos de que se trata de pré-requisito para a felicidade. 

Para complicar mais as coisas, há ainda os que, por equívoco ou pela própria limitação, se utilizam de argumentos psicológicos para não deixar ninguém escapar dos modelos.

Para esses, maturidade emocional implica manter uma relação amorosa estável com alguém do sexo oposto. 

Não faltam terapeutas para reforçar esse absurdo na cabeça de seus clientes. 
E o pior é que eles acreditam piamente e sofrem bastante, se sentindo defeituosos ou no mínimo incompetentes por não terem alguém.

Contudo, a condição essencial para ficar bem sozinho é o exercício da autonomia pessoal. 

Isso significa, além de alcançar nova visão do amor e do sexo, se libertar da dependência amorosa exclusiva e “salvadora” de alguém.

O caminho fica livre para um relacionamento mais profundo com os amigos, com crescimento da importância dos laços afetivos. 

É com o desenvolvimento individual que se processa a mudança interna necessária para a percepção das próprias singularidades e do prazer de estar só. 

E assim fica para trás a ideia básica de fusão do amor romântico, que pretende transformar os dois numa só pessoa.

E quando se perde o medo de ser sozinho, se percebe que isso não significa necessariamente solidão.

Regina Navarro Lins,  psicanalista e escritora