quarta-feira, 17 de abril de 2013

A velhice pede desculpas


Tão velho estou como árvore no inverno, 
vulcão sufocado, pássaro sonolento. 
Tão velho estou, de pálpebras baixas, 
acostumado apenas ao som das músicas, 
à forma das letras. 

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético 
dos provisórios dias do mundo: 
Mas há um sol eterno, eterno e brando 
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. 

Desculpai-me esta face, que se fez resignada: 
já não é a minha, mas a do tempo, 
com seus muitos episódios. 

Desculpai-me não ser bem eu: 
mas um fantasma de tudo. 
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, 
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. 

Desculpai-me viver ainda: 
que os destroços, mesmo os da maior glória, 
são na verdade só destroços, destroços. 

Cecília Meireles

terça-feira, 16 de abril de 2013

Também já fui brasileiro


Eu também já fui brasileiro moreno como vocês.

Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude.

Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.

Bastava olhar para mulher, pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes.

Mas eram tantas, o céu tamanho, minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo. Fazia isso, dizia aquilo.

E meus amigos me queriam, meus inimigos me odiavam.

Eu irônico deslizava satisfeito de ter meu ritmo.

Mas acabei confundindo tudo. Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não, não tenho ritmo mais não.

Carlos Drummond de Andrade

O dom do assassino


Durante tanto tempo lançou faíscas pelas estradas por onde andou, queimando a própria face em lágrimas ardentes, enquanto meus olhos, agora cegos por ti, não enxergam mais as trilhas, ou as sombras das árvores que me chamam a descansar.

 E ao olhar para trás, vejo o meu rastro, agora um incêndio, queimando sozinho.

Tanto tempo se passou e hoje vejo as marcas do meu incêndio, como negras
cicatrizes a acompanharem-me por toda a vida, como prova e lembrança de que não posso recuar, de que nunca mais poderei voltar e no teu Amor, não mais poderei deitar minha cabeça, ou olhar-te nos olhos e encontrar Você, tão puramente simples em existência, que é capaz de me consolar por simplesmente ainda estar vivo.

Queria ser tão puramente o Vento, a viajar distancias incalculáveis para que assim, um dia eu viesse a chegar onde tanto sonhei estar. 

Seria veneno, tentar enganar-me e nisso, sobre meu peito, pousar uma máscara, para ocultar meu coração e dessa maneira, revelar a quem sempre pertenceu.

Vou me lançar em queda e enquanto aguardo meu corpo se chocar contra as rochas ásperas que anseiam abraçar meu corpo, minhas lágrimas chamam por ti, na esperança de mais uma vez, voltar a deslumbrar-me com tua face, outrora, que me salvou de mim mesmo, quando ao abismo cheguei e lá, estavas tu a me esperar.

João Carlos Alves de Moraes - canto do Escritor - Literatura