terça-feira, 16 de abril de 2013

Também já fui brasileiro


Eu também já fui brasileiro moreno como vocês.

Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude.

Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.

Bastava olhar para mulher, pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes.

Mas eram tantas, o céu tamanho, minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo. Fazia isso, dizia aquilo.

E meus amigos me queriam, meus inimigos me odiavam.

Eu irônico deslizava satisfeito de ter meu ritmo.

Mas acabei confundindo tudo. Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não, não tenho ritmo mais não.

Carlos Drummond de Andrade

O dom do assassino


Durante tanto tempo lançou faíscas pelas estradas por onde andou, queimando a própria face em lágrimas ardentes, enquanto meus olhos, agora cegos por ti, não enxergam mais as trilhas, ou as sombras das árvores que me chamam a descansar.

 E ao olhar para trás, vejo o meu rastro, agora um incêndio, queimando sozinho.

Tanto tempo se passou e hoje vejo as marcas do meu incêndio, como negras
cicatrizes a acompanharem-me por toda a vida, como prova e lembrança de que não posso recuar, de que nunca mais poderei voltar e no teu Amor, não mais poderei deitar minha cabeça, ou olhar-te nos olhos e encontrar Você, tão puramente simples em existência, que é capaz de me consolar por simplesmente ainda estar vivo.

Queria ser tão puramente o Vento, a viajar distancias incalculáveis para que assim, um dia eu viesse a chegar onde tanto sonhei estar. 

Seria veneno, tentar enganar-me e nisso, sobre meu peito, pousar uma máscara, para ocultar meu coração e dessa maneira, revelar a quem sempre pertenceu.

Vou me lançar em queda e enquanto aguardo meu corpo se chocar contra as rochas ásperas que anseiam abraçar meu corpo, minhas lágrimas chamam por ti, na esperança de mais uma vez, voltar a deslumbrar-me com tua face, outrora, que me salvou de mim mesmo, quando ao abismo cheguei e lá, estavas tu a me esperar.

João Carlos Alves de Moraes - canto do Escritor - Literatura

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ondas de solidão


Se possuísse uma canoa e um papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé, desamparado na sua ilha. 

Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou cinco milhões de seres humanos. Mas, que é isso? 

As pessoas que nos não interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado. 

São, verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação. 

Ora estas ondas, com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson - e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e clássico da solidão. 

Eça de Queirós- Portugal, 1845 - 1900