quinta-feira, 11 de abril de 2013

A arte de ser feliz


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.

Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola.

Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa.Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. 

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

terça-feira, 9 de abril de 2013

Carta de um soldado desconhecido


" Escuta Deus,
Jamais falei contigo.
Hoje quero saudar-te-: Bom dia! Como vais?
Sabes? Disseram que tu não existe e eu, tolo, acreditei que era verdade.
Nunca havia reparado tua obra.
Ontem à noite da trincheira rasgada por granadas, vi teu céu estrelado e compreendi então que me enganaram.
Não sei se apertarás minha mão .Vou te explicar e hás de compreender.
É engraçado: neste inferno hediondo achei a luz para enxergar teu rosto.
Dito isto já não tenho muita coisa a te contar.
Só que... que... tenho muito prazer em conhecer-te.
Fazemos um ataque à meia noite.
Não tenho medo.
Deus, sei que tu velas...
Ah! É o clarim! Bom Deus, devo ir-me embora.
Gostei de ti, vou ter saudade. 
Quero dizer, será cruenta a luta, bem o sabes, e esta noite pode ser que eu vá bate a tua porta!
Muito amigos não fomos é verdade.
Mas sim... estou chorando! Vê Deus, penso que já não sou tão mau.
Bom Deus, tenho que ir. Sorte é coisa bem rara.
Juro porém que já não receio a morte... " 

Bilhete encontrado na farda de um soldado desconhecido, morto na segunda grande guerra,no primeiro ataque à Monte Castelo

Elegância


Existe uma coisa difícil de ser ensinada  e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara : a elegância do comportamento.

É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que  dizer um simples obrigado diante de uma  gentileza.

É a elegância que  nos acompanha da primeira hora da  manhã até a hora de  dormir e que se manifesta  nas situações mais prosaicas, quando não há festa  alguma nem  fotógrafos por  perto.

É uma elegância  desobrigada. É possível detectá-la nas pessoas  que elogiam mais do  que criticam.

Nas pessoas que escutam  mais do que falam.  E quando  falam, passam longe da  fofoca, das pequenas  maldades ampliadas no  boca a boca.

É possível detectá-la  nas pessoas que não  usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas.

Nas pessoas que evitam  assuntos  constrangedores porque não sentem prazer  em humilhar  os outros. É possível detectá-la  em pessoas  pontuais.

Elegante é quem demonstra interesse  por assuntos que desconhece, é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem  está falando e só depois manda dizer se está ou não  está.

Oferecer flores é sempre  elegante. É elegante não ficar espaçoso  demais.

É elegante, você fazer algo por alguém ,  e este alguém jamais saber o que você teve que se arrebentar  para o  fazer...

É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao  outro. É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos  informais.

É elegante  retribuir carinho e solidariedade. É elegante o  silêncio,  diante de uma  rejeição....

Sobrenome, jóias e nariz empinado  não substituem  a elegância do Gesto.

Não há livro que ensine alguém  a ter uma visão generosa do mundo,  a estar nele de uma forma não  arrogante.

É elegante a gentileza,.atitudes gentis falam mais que  mil imagens...

...Abrir a porta para alguém...é muito  elegante...Dar o lugar para alguém sentar...é muito  elegante...Sorrir, sempre é muito elegante e faz um bem  danado para a alma...

Oferecer ajuda...é muito  elegante...Olhar nos olhos, ao conversar  é  essencialmente elegante

Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural  pela observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.

A saída  é desenvolver em si mesma a arte de conviver, que independe de status social:  é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu,  que acha que "com amigo não tem que ter estas  frescuras".

Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é  que não irão  desfrutá-la.

Educação enferruja por falta de  uso. E, detalhe : não é  frescura.

( Toulouse Lautrec )