segunda-feira, 8 de abril de 2013

Sou o que sou


Eu nunca fui uma moça bem-comportada.
Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços.
Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. Não estou aqui pra que gostem de mim. Estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho. E pra seduzir somente o que me acrescenta.
Adoro a poesia e gosto de descascá-la até a fratura exposta da palavra.
A palavra é meu inferno e minha paz.
Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta.
Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo.
Sei chorar toda encolhida abraçando as pernas.
Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar...
Eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente.
Acredito em coisas sinceramente compartilhadas.
Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo.
Eu acredito em profundidades.
E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos.
São eles que me dão a dimensão do que sou."

Maria de Queiroz

domingo, 7 de abril de 2013

Por trás da vidraça


Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhou comigo?
Ou teria sido o contrário?

Sonhei que você sonhava comigo. Mais tarde, talvez eu até ficasse confuso, sem saber ao certo se fui eu mesmo quem sonhou que você sonhava comigo, ou ao contrário, foi quem sabe você quem sonhou que eu sonhava com você. 

Não sei o que seria mais provável. Você sabe, nessa história de sonhos — falo o óbvio —, nunca há muita lógica nem coerência. 

Além disso, ainda que um de nós dois ou os dois tivéssemos realmente sonhado que um sonhava com o outro, também é pouco provável que falássemos sobre isso. Ou não? Sei que o que sei é que, sem nenhuma dúvida:

Sonhei que você sonhava comigo. Certo? Não, talvez não esteja nada certo. Também não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo menos, não desse jeito embaçado como uma vidraça durante a chuva.

Por favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro que fica sempre ali, ao lado dos discos. Agora limpe devagar a vidraça — quero dizer, o texto. Vá passando esse pedaço de feltro sobre o vidro, até ficar mais claro o que há por trás.

Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa. Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam. Será? Não tenho certeza, mas o que quero dizer, disso estou certo, começa assim:

Sonhei que você sonhava comigo. Agora penso que é também provável que — se realmente fui mesmo eu a sonhar que você sonhou comigo; e não o contrário — eu não estivesse sonhando. Nada de sono, cama, olhos fechados. 

É possível que eu estivesse de olhos abertos no meio da rua, não na cama; durante o dia, não à noite — quando aconteceu isso que chamo de sonho. 

Embora saiba que — se foi dessa forma assim, digamos, consciente — então não seria correto chamá-la de sonho, essa imagem que aconteceu —, mas de imaginação ou invento até mesmo delírio, quem sabe alucinação. 

Mas não, não é isso o que quero contar, O que quero contar, sei muito bem e sem nenhuma hesitação, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Parece simples, mas me deixa inquieto. 

Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar — mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e, de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente, eu passasse a ter alguma espécie de existência.

Não, não me atrevo. Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo. Verdade eu queria muito.

 Estou piorando as coisas, preciso ser mais claro. Começando de novo, quem sabe, começando agora: Sonhei que você sonhava comigo.

Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? Você acordava, eu não. 

Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu sonho você tinha deixado de sonhar comigo. 

Você estava acordado, tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar de real, porque não foram sonhadas. 

Mas, se foi o contrário, então era eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. 

Nos víamos? Quase consegui, agora. Preciso simplificar ainda mais, para começar de novo aqui:

Sonhei que você sonhava comigo. Depois, fiquei aflito. E quase certo de que isso não tinha acontecido. O que aconteceu, sim, é que foi você quem sonhou que eu sonhava com você. 

Mas não posso garantir nada. Sei que estou parado aqui, agora, pensando todas essas coisas. Como se estivesse — eu, não você — acordando um pouco assustado do bonito que foi ter tido aquele sonho em que você sonhava comigo. 

Tão breve. Mas tudo é muito longo, eu sei. Estou ficando cansativo? Cansado, também. Está bem, eu paro. 

Apanhe outra vez aquele pedaço de feltro: desembace, desembaço. Choveu demais, esfriou. 

Mas deve haver algum jeito exato de contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:

Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto.

Caio Fernando Abreu

Um Dia



Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra é bobagem.

Você só não esquece a outra  pessoa como pensa muito mais nela....

Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...

Um dia percebemos que o comum não nos atrai...

Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...

Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...

Um dia saberemos a importância da frase:
"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."

Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém,
mas não damos valor a isso... 

Enfim... um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer tudo o que tem que ser dito naquele momento.

Não existe hora certa para dizer o que sentimos se quem estiver
te ouvindo não te compreender, não te merecer...

O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa
vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...

Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá
uma longa explicação.

Mario Quintana