quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ser simples


Sabe rir mole de bobeira? Sabe dançar idiota de alegria? 

Sabe dormir gemendo de saudade? 

Sabe tomar banho sorrindo para a sua pele? 

Sabe cantar bem alto para o mundo entender? 

Sabe se achar bonita mesmo de pijama e olheiras? 

Sabe ter ânsia de vômito segundos antes de vê-lo e ter fome de mundo segundos depois de abraçá-lo? 

Sabe não aguentar? 

Sabe sobrevoar o frio, o cinza, os medos, os erros e tudo que pode dar errado? 

Ele consegue fazer com que eu me perdoe por apenas viver sem questionar tanto. 

Eu quero parar com tudo isso, ele é um menino que não pode acompanhar minha louca linha de raciocínio meio poeta, meio neurótica, meio madura. 

Eu quero colocar um fim neste tormento de desejar tanto quem ainda tem tanto para desejar por aí. 

E aí eu me pergunto: pra quê? Se está tão bom, se é tão simples. Ele me ensinou que a vida pode ser simples, e tão boa.

Tati Bernardi

A sabedoria e a alegria


Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. 

O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. 

Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! 

Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. 

Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.

Sêneca

sábado, 23 de março de 2013

A raposa e o príncipe


E foi então que apareceu a raposa:
__Bom dia, disse a raposa.
__Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
__Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
__Sou uma raposa, disse a raposa.
__Vem brincar comigo,propôs o principezinho. Estou tão triste...
__Eu não posso brincar contigo,disse a raposa. Não me cativaram ainda.
__Ah!desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou:
__Que quer dizer "cativar"?
__Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
__Procuro os homens,disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
__Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também.
É a única coisa interessante que eles fazem.Tu procuras galinhas?
__Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
__É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços...".
__Criar laços?
__Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
__Começo a compreender, disse o principezinho...Existe uma flor...eu creio que ela me cativou...
__É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
__Oh!não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
__Num outro planeta?
__Sim.
__Há caçadores nesse planeta?
__Não.
__Que bom.E galinhas?
__Também não.
__Nada é perfeito,suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia:
__Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também.
E por isso me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música.
E depois, olha! Vês lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil.
Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste!Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado.
O trigo, que é dourado,fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
__Por favor...cativa-me!disse ela.
__Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
__A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo,cativa-me!
__Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
__É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei para o canto do olho e tu não dirás nada.
A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
__Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde,desde às três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas então, estarei inquieta
e agitada:descobrirei o preço da felicidade!

Antoine de Saint-Exupèry