sábado, 7 de outubro de 2017

Esquizofrenia Social

Pois é!

Esquizofrenia Social:

Vivemos numa época onde querem que os padres se casem e que os casados se divorciem.
Querem que os héteros tenham relacionamentos líquidos sem compromisso, mas que os gays se casem na Igreja.
Que as mulheres tenham corpos masculinizados e se vistam como homens e assumam papéis masculinos. Querem que os homens se tornem "frágeis" e delicados e com trejeitos, como se fossem mulheres. Uma criança com apenas cinco ou seis anos de vida já tem o direito de decidir se será homem ou mulher pelo resto da vida, mas um menor de dezoito anos, não pode responder pelos seus crimes.
Não há vagas para os doentes nos hospitais, mas há o incentivo e o patrocínio do SUS para quem quer fazer mudança de sexo.
Há acompanhamento psicológico gratuito para quem deseja deixar a heterossexualidade e viver a homossexualidade, mas não existe nenhum apoio deste mesmo SUS para quem deseja sair da homossexualidade e viver a sua heterossexualidade e se o tentarem fazer, é crime. 
Ser à favor da família e religião é ditadura, mas urinar em cima dos crucifixos é liberdade de expressão.
Se isso não for o Fim dos Tempos, deve ser o ensaio...

Por Almir Favarin
Teologo e Psicanalista

sábado, 15 de julho de 2017

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras 
Em que rí e cantei, em que era querida, 
Parece-me que foi outras esferas, 
Parece-me que foi numa outra vida... 

E a minha triste boca dolorida 
Que dantes tinha o rir das primaveras, 
Esbate as linhas graves e severas 
E cai num abandono de esquecida! 

E fico, pensativa, olhando o vago... 
Toma a brandura plácida dum lago 
O meu rosto de monja de marfim... 

E as lágrimas que choro, branca e calma, 
Ninguém as vê brotar dentro da alma! 
Ninguém as vê cair dentro de mim!” 
― Florbela Espanca

domingo, 7 de maio de 2017

Zé Dirceu

Zé Dirceu quer se mudar, porque sua filha Maria Antônia está traumatizada com os gritos de ‘ladrão’ e ‘volta pra cadeia’, que ecoam em frente ao prédio em que reside.

É Zé. Deixe-me dizer uma coisa. Se essa menina tiver sorte, você vai voltar pra cadeia e não será criada por alguém como você. Um dia ela terá consciência crítica. E será muito pior. Terá que conviver com a vergonha eterna de ser apontada como filha de ladrão, filha de um escroque. Filha de um cara que ajudou (e muito) a arruinar o país.

Sabe Zé, tenho muitas crianças aqui, com a idade da Maria Antônia, cujos pais perderam o emprego, por sua causa. Por causa das políticas desastrosas que você ajudou a implementar, por causa da roubalheira que você tanto se beneficiou.

Os cobertores que aquecem a sua Maria Antônia (que devem ser muitos e luxuosos), faltam na outra Maria Antônia daqui. E aqui faz muito frio.

Aliás, falta também a comida decente e honesta, que se foi com o emprego dos pais. Falta uma boa escola, que se foi com o seu enriquecimento ilícito e nababesco.

Por isso Zé, tenho pena da sua Maria Antônia. Mas tenho mais pena da outra Maria Antônia. Espero sinceramente que a justiça faça o seu papel. Para que eu não precise nunca mais sentir pena das Marias, Pedros, Paulos, Andrés, Sílvias e de todas as outras crianças brasileiras, cujo futuro você tentou destruir.

Adriana Lisboa, Médica em Santa Catarina.

sábado, 29 de abril de 2017

Padres de passeata



Há quem pergunte, mas não, a expressão "padres de passeata" não é minha. É velha, ou melhor, é do grande escritor Nelson Rodrigues. Foi ele quem analiticamente escreveu e descreveu a situação da Igreja no Brasil:
"A Igreja está ameaçada pelos padres de passeata, pelas freiras de minissaia e pelos cristãos sem Cristo. Hoje, qualquer coroinha contesta o Papa."

Neste passado dia 28 os padres de passeata saíram às ruas...aqueles que que quando Dilma cortou o seguro desemprego não deram um pio, aqueles que quando Dilma apresentou o mesmíssimo projeto de reformas de Temer não deram um pio, aqueles que nunca piaram sobre Pasadena, roubo bilionário à Petrobrás e aos cofres públicos, aqueles que nunca usam o hábito ou a batina porque, segundo eles, é coisa retrógrada de uma igreja conservadora, mas que ontem puseram seus hábitos novinhos em folha ou melhor, em ótimo tecido para fazer de conta que sua adesão ao esquerdismo, ao sindicato e à defesa de um ex governo vigarista é o apoio da Igreja.

Enganam-se redondamente...a Igreja, o povo de Deus, foi trabalhar porque já despertou e não mais segue a auto-proclamada "alma mais pura do Brasil" o "pobrezinho de Garanhuns" que foi apresentado como o Messias e, como todo ídolo, falso messias e falso deus, revelou-se a prostituta de um certo empresário.

O tempo vai revelando os falsos deuses e os falsos messias...eles irão, mais cedo ou mais tarde para a vala infecta da História. Hão de seguí-los também seus escribas, sacerdotes e pregoeiros.

- PadreCléber Eduardo Dos Santos Dias

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Carta aberta, de Theresa Collor, ao Senador Renan Calheiros

“Vida de gado. Povo marcado. Povo feliz”. As vacas de Renan dão cria 24 h por dia. Haja capim e gente besta em Murici e em Alagoas! Uma qualidade eu admiro em você: o conhecimento da alma humana. Você sabe manipular as pessoas, as ambições, os pecados e as fraquezas.

Do menino ingênuo que eu fui buscar em Murici para ser deputado estadual em 1978 – que acreditava na pureza necessária de uma política de oposição dentro da ditadura militar – você, Renan Calheiros, construiu uma trajetória de causar inveja a todos os homens de bem que se acovardam e não aprendem nunca a ousar como os bandidos.

Você é um homem ousado. Compreendeu, num determinado momento, que a vitória não pertence aos homens de bem, desarmados desta fúria do desatino, que é vencer a qualquer preço. E resolveu armar-se. Fosse qual fosse o preço, Renan Calheiros nunca mais seria o filho do Olavo, a digladiar-se com os poderosos Omena, na Usina São Simeão, em desigualdade de forças e de dinheiros.

Decidiu que não iria combatê-los de peito aberto, descobriria um atalho, um mil artifícios para vencê-los, e, quem sabe, um dia derrotaria todos eles, os emplumados almofadinhas que tinham empregados cujo serviço exclusivo era abanar, durante horas, um leque imenso sobre a mesa dos usineiros, para que os mosquitos de Murici (em Murici, até os mosquitos são vorazes) não mordessem a tez rósea de seus donos: Quem sabe, um dia, com a alavanca da política, não seria Renan Calheiros o dono único, coronel de porteira fechada, das terras e do engenho onde seu pai, humilde, costumava ir buscar o dinheiro da cana, para pagar a educação de seus filhos, e tirava o chapéu para os Omena, poderosos e perigosos.

Renan sonhava ser um big shot, a qualquer preço. Vendeu a alma, como o Fausto de Goethe, e pediu fama e riqueza, em troca.

Quando você e o então deputado Geraldo Bulhões, colegas de bancada de Fernando Collor, aproximaram-se dele e se aliaram, começou a ser Parido o novo Renan.

Há quem diga que você é um analfabeto de raro polimento, um intuitivo. Que nunca leu nenhum autor de economia, sociologia ou direito. Os seus colegas de Universidade diziam isso. Longe de ser um demérito, essa sua espessa ignorância literária faz sobressair, ainda mais, o seu talento De vencedor. Creio que foi a casa pobre, numa rua descalça de Murici, que forneceu a você o combustível do ódio à pobreza e o ser pobre. E Renan Calheiros decidiu que, se a sua política não serviria ao povo em nada, a ele próprio serviria em tudo. Haveria de ser recebido em Palacios, em mansões de milionários, em Congressos estrangeiros, como um príncipe, e quando chegasse a esse ponto, todos os seus traumas banhados no rio Mundaú, seriam rebatizados em Fausto e opulência; “Lá terei a mulher que quero, na cama que escolherei. Serei amigo do Rei.”

Machado de Assis, por ingênuo, disse na boca de um dos seus personagens: “A alma terá, como a terra, uma túnica incorruptível.” Mais adiante, porém, diante da inexorabilidade do destino do desonesto, ele advertia: “Suje-se, gordo! Quer sujar-se? Suje-se, gordo!”

Renan Calheiros, em 1986, foi eleito deputado federal pela segunda vez. Nesse mandato, nascia o Renan globalizado, gerente de resultados, ambição à larga, enterrando, pouco a pouco, todos os escrúpulos da consciência. No seu caso, nada sobrou do naufrágio das ilusões de moço! Nem a vergonha na cara. O usineiro João Lyra patrocinou essa sua campanha com US1.000.000. O dinheiro era entregue, em parcelas, ao seu motorista Milton, enquanto você esperava, bebericando, no antigo Hotel Luxor, av. Assis Chateaubriand, hoje Tribunal do Trabalho.

E fez uma campanha rica e impressionante, porque entre seus eleitores havia pobres universitários comunistas e usineiros deslumbrados, a segui-lo nas estradas poeirentas das Alagoas, extasiados com a sua intrepidez em ganhar a qualquer preço. O destemor do alpinista, que ou chega ao topo da montanha – e é tudo seu, montanha e glória – ou morre. Ou como o jogador de pôquer, que blefa e não treme, que blefa rindo, e cujos olhos indecifráveis Intimidam o adversário. E joga tudo. E vence. No blefe.

Você, Renan não tem alma, só apetites, dizem. E quem, na política brasileira, a tem? Quem, neste Planalto, centro das grandes picaretagens nacionais, atende no seu comportamento a razões e objetivos de interesse público? ACM, que, na iminência de ser cassado, escorregou pela porta da renúncia e foi reeleito como o grande coronel de uma Bahia paradoxal, que exibe talentos com a mesma sem-cerimônia com que cultiva corruptos? José Sarney, que tomou carona com Carlos Lacerda, com Juscelino, e, agora, depois de ter apanhado uma tunda de você, virou seu pai-velho, passando-lhe a alquimia de 50 anos de malandragem?

Quem tem autoridade moral para lhe cobrar coerência de princípios? O presidente Lula, que deu o golpe do operário, no dizer de Brizola, e hoje hospeda no seu Ministério um office boy do próprio Brizola? Que taxou os aposentados, que não o eram, nem no Governo de Collor, e dobrou o Supremo Tribunal Federal? No velho dizer dos canalhas, todos fazem isso, mentem, roubam, traem. Assim, senador, você é apenas o mais esperto de todos, que, mesmo com fatos gritantes de improbidade, de desvio de conduta pública e privada, tem a quase unanimidade deste Senado de Quasímodos morais para blinda-lo.

E um moço de aparência simplória, com um nome de pé de serra – Siba – é o camareiro de seu salvo-conduto para a impunidade, e fará de tudo para que a sua bandeira – absolver Renan no Conselho de Ética – consagre a sua carreira. Não sei se este Siba é prefixo de sibarita, mas, como seu advogado in pectore, vida de rico ele terá garantida. Cabra bom de tarefa, olhem o jeito sestroso com que ele defende o chefe… É mais realista que o Rei. E do outro lado, o xerife da ditadura militar, que, desde logo, previne: quero absolver Renan.

Que Corregedor!… Que Senado!…Vou reproduzir aqui o que você declarou possuir de bens em 2002 ao TRE. Confira, tem a sua assinatura:

1) Casa em Brasília, Lago Sul, R$ 800 mil; 
2) Apartamento no edifício Tartana, Ponta Verde, R$ 700 mil;
3) Apartamento no Flat Alvorada, DF, de R$ 100 mil;
4) Casa na Barra de S Miguel de R$ 350 mil.

E SÓ.

Você não declarou nenhuma fazenda, nem uma cabeça de gado! Sem levar em conta que seu apartamento no Edifício Tartana vale, na realidade, mais de R$1 milhão, e sua casa na Barra de São Miguel, comprada de um comerciante farmacêutico, vale mais de R$ 2.000.000. Só aí, Renan, você DECLARA POSSUIR UM PATRIMONIO DE CERCA DE R$ 5.000.000.
Se você, em 24 anos de mandato, ganhou BRUTOS, R$ 2 milhoes, como comprou o resto? E as fazendas, e as rádios, tudo em nome de laranjas? Que herança moral você deixa para seus descendentes?

Você vai entrar na história de Alagoas como um político desonesto, sem escrúpulos e que trai até a família. Tem certeza de que vale a pena? Uma vez, há poucos anos, perguntei a você como estava o maior latifundiário de Murici. E você respondeu: “Não tenho uma só tarefa de terra. A vocação de agricultor da família é o Olavinho.” É verdade, especialmente no verde das mesas de pôquer!

O Brasil inteiro, em sua maioria, pede a sua cassação. Dificilmente você será condenado. Em Brasília, são quase todos cúmplices. Mas olhe no rosto das pessoas na rua, leia direito o que elas pensam, sinta o desprezo que os alagoanos de bem sentem por você e seu comportamento desonesto e mentiroso. Hoje perguntado, o povo fecharia o Congresso. Por causa de gente como você!

Por favor, divulgue esta minha carta para o Brasil inteiro, para ver se o Congresso cria vergonha na cara.

Os alagoanos agradecem.

domingo, 5 de março de 2017

Minha vida se divide em três fases

Minha vida se divide em três fases.
Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo
E era habitado por deuses, verdadeiros e absolutos.

Na segunda fase meu mundo encolheu,
ficou mais modesto e passou a ser habitado
por heróis revolucionários que portavam armas
e cantavam canções de transformar o mundo.

Na terceira fase, mortos os deuses,
mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos,
meu mundo se encolheu ainda mais
e chegou não à sua verdade final
mas a sua beleza final:
ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida.

Rubem Alves

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Carta aberta aos integrantes do STF

General Torres de Melo

Estou escrevendo para o mundo, pois tenho certeza que não serei lido por Vossas Excelências. Sou apenas um cidadão e não uma autoridade, logo sem muito valor.

Fiquei atônito, pasmado quando vi na TV o Ex. Sr. Ministro Marco Aurélio perguntar ao jornalista se ele acreditava no STF e ele sem pestanejar respondeu: NÃO.
Durante toda a minha vida fui educado a acreditar no STF, que para mim era e é a última salvação do País, pois um STF desacreditado, é a morte da Nação.
Como sou muito idoso, só agora estou vendo Ministro do STF dando, quase que diariamente, entrevista. É a vulgarização do cargo. Ministro do STF tem como obrigação primeira manter a majestade do cargo.
Vi todas as crises. Nunca tinha visto se falar tanto em segredo de JUSTIÇA. Ladrão pequeno, bandido reles são mostrados nas TV, jornais e rádio e até procuram esconder a cara. Ladrão grande, de bilhões de reais, desculpem Ex. Sr. Ministros, de bilhões de dólares, são guardados com cuidado, pois roubaram a Nação. Segredo de Justiça para quem rouba o acervo do Palácio? Penso que é injustiça. Quem rouba o QUERIDO BRASIL deveria ser logo preso. Se funcionário público ainda mais cadeia.
Por que tanta demora em julgar os que são possuidores de fórum privilegiado? Alguns com vários processos ainda continuam dando palpite na vida nacional, quando a cadeia é pouca. Na China homem público roubou é processado e se culpado condenado a morte. Na Islândia acusado pede demissão. No Japão se suicida. Aqui, no velho Brasil de guerra, alguns voltam para casa, outros para casa com tornozeleira eletrônica e com direito a mil e uma apelações e os pobres desempregados por causa de ladrões de colarinho branco, cortando o leite dos filhos. Quando o Jornalista afirmou que não acreditava no STF o Ministro Marco Aurélio ficou parado. O rosto impassível. Parecia aquele rosto de uma senhora com a mão aberta no rosto, lábios ligeiramente abertos e com os olhos arregalados quando os alemães fizeram o quinto gol na copa do mundo. Eu, também, pois deixar de acreditar na justiça brasileira é o fim do mundo. O Ministro Teori Zavascki (Teori Albino Zavascki), preocupado com o cumprimento da lei, que é um mérito, não gostou que fosse dado conhecimento a determinados telefonemas gravados, pois a lei não permite. E roubar o País não é pior? Por que não julga os poderosos acusados no LAVA JATO? Não deveriam já se encontrar presos? Gostaria de saber se os senhores ministros fossem roubados como foi o Brasil, se os ladrões que avançarem nos pertences de V. Ex. teriam direito ao tão falado segredo de Justiça?
Ao terminar, gostaria que o meu STF fosse intocável e que a Justiça fosse para todos.
O ARTIGO 5º DA C F DIZ: TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI
GRUPO GUARARAPES – GEN TORRES DE MELO

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

As aposentadas

Almocei com oito senhoras, tias e amigas da mãe de minha esposa, em Belo Horizonte (MG).
A anfitriã Zelinha preparou uma galinhada no pátio, com mesas de madeira à sombra de jabuticabeiras. A horta simbolizava o nosso ventilador de temperos. Vinha o cheiro de hortelã e de alecrim com a brisa, coisa gostosa. Puxava o ar com força como se estivesse no meio de um bosque.
Eu era o único homem naquele clube de mulheres mais velhas, na faixa dos 75 anos. 
O que notei, a princípio, foi a raça superior feminina. A maioria, com duas exceções, experimentava a viuvez há um bom tempo.
Os homens morrem mais cedo, apesar de fazerem muito menos dentro e fora de casa do que as mulheres. Pelo histórico das famílias, já imaginei a minha Beatriz depois de minha morte, velhinha, linda de preto, magra e elegante e não sentindo em nada a minha falta. Doeu, mas não há como conter a vida.
As viúvas não mencionavam os seus falecidos. Parecia que estavam mais felizes agora do que quando casadas. Isso doeu também, porém logo entendi que não se pode ficar preso à memória.
Fui descontar os meus medos do futuro tentando puxar conversa. Afinal, precisava me sobressair naquele grupo, mostrar minha trajetória gloriosa e excitante.
Desfrutava da vantagem de uma carreira no auge. Quebrei as pernas e os braços lentamente. Não conseguia me encaixar em nenhum tema, elas falavam rápido demais. Trocavam de assunto com altivez, e não permitiam repescagem. Quando raciocinava algo inteligente, o papo já havia migrado para uma nova reflexão e perdia a deixa. Política, economia, roupas, dietas, eu sempre sobrava. E elas não apresentavam nenhuma compaixão comigo. Iam passando de mão em mão as panelas e as palavras.
Daí decidi me vingar e trazer à tona as minhas recentes leituras e os filmes vistos no cinema. Sou um cinéfilo e um rato de sebo. Para ver, por exemplo, faltavam apenas uns três títulos dos concorrentes das principais categorias do Oscar. Tampouco obtive silêncio e empatia. Elas tinham assistido a mais filmes do que eu e lido mais no último mês. As velhinhas foram se transformando em comentaristas e resenhistas velozes e furiosas. Calei a boca e entrei em depressão durante o restante das horas.
É impossível concorrer com a programação cultural das aposentadas. Aprenda isso!
Aprendi da mais constrangedora forma. Elas ainda me jogaram na cara visitas a exposições, vernissages, peças de teatro e concertos da Filarmônica. Quando comentaram as encenações no Royal Opera House em Londres e os musicais da Broadway em Nova York, o terror exagerou e passou do ponto. Arcava com a maior humilhação intelectual da minha bagagem. Suei frio e me escondi debaixo das jabuticabeiras. Por pouco, Beatriz não ficou viúva ali mesmo.

Por: Fabrício Carpinejar

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Higiene Moral

"A gente cuida do cabelo, da pele, das unhas, do corpo, da casa, do carro, dos filhos. Arruma, ajeita, organiza, guarda. E o que tem acontecido com nossos guardados da alma? O que estamos reciclando, desperdiçando, acumulando, estragando? Somos caixa de guardados, amontoado de coisas, escolhas, sentimentos, lembranças. Pedaços de nós virando caminho, misturando pés e estrada. Quebra cabeças, colcha de retalhos. Alguns guardados tem cheiro de cuidado e encontra fácil nosso sorriso. Outros, apertam nosso peito e aborrecem nossos olhos. E quando aprendemos a identificar o que se guarda e o que se joga fora? Quando não doer mais, quando o mal cheiro incomodar, quando precisamos de espaço. E esse dia sempre chega. Embora vez ou outra adiemos a faxina, chega o tempo em que sentimos necessidade do cheiro de casa limpa, de espaço nas gavetas, de novas cores nas prateleiras. O importante é analisar cada peça, reler cada pedacinho de papel, tocar cada sentimento e separar o que soma, o que alegra, o que ensina, o que nos torna melhores, mais amplos, mais fortes, mais leves. O resto? O resto a gente joga na lixeira do esquecimento. É preciso enxergar além do que se vê para saber identificar o que se descarta e o que vira relíquia..." 

__Renata Fagundes

domingo, 22 de janeiro de 2017

Viver ou acumular

Um jovem advogado foi indicado para inventariar os pertences de um senhor recém falecido. Segundo o relatório do seguro social, o idoso não tinha herdeiros ou parentes vivos. Suas posses eram simples. O apartamento alugado, um carro velho, móveis baratos e roupas puidas. "Como alguém passa toda a vida e termina só com isso?", pensou o advogado. Anotou todos os dados e ia deixando a residência quando notou um porta-retratos sobre um criado mudo.

Na foto, estava aquele mesmo senhor, quando mais novo. Ao fundo havia um mar muito verde e uma praia repleta de coqueiros. À caneta escrito bem de leve no canto superior da imagem lia-se "Sul da Tailândia". Surpreso, o advogado abriu a gaveta do criado e encontrou um álbum repleto de fotografias. Lá estava o senhor, em diversos momentos da vida, em fotos em todos os cantos do mundo.

Em um tango na Argentina, na frente do muro de Berlim, em um tuk tuk no Vietnã, sobre um camelo com as pirâmides ao fundo, tomando vinho em frente ao Coliseu, entre muitas outras. Na última página do álbum, um mapa, quase todos os países do planeta marcados com um asterisco em vermelho, indicando por onde havia passado. Escrito a mão, no meio do oceano Pacífico, uma pequena poesia:

"Não construí nada que me possam roubar.
Não há nada que eu possa perder. 
Nada que eu possa trocar, 
Nada que se possa vender.

Eu que decidi viajar,
Eu que escolhi conhecer,
Nada tenho a deixar
Porque aprendi a viver..."

(Autor desconhecido)